Falta de repasses do estado a hospitais do RS provoca atraso de salários e adiamento de cirurgias
Na Santa Casa de Rio Grande, na região Sul, direção reclama que dívida alcança R$ 5 milhões. Palácio Piratini diz que deve pagar R$ 130 milhões, nos próximos dias, como incentivos que estão atrasados.
O fim de ano está sendo de muita dificuldade para os hospitais que dependem de recursos do governo do Rio Grande do Sul. São dívidas milionárias, que deixam funcionários com salários atrasados e pacientes sem saber onde procurar atendimento médico.
Na Santa Casa de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, o pagamento dos profissionais está atrasado há quase um ano por causa da falta de repasses. A direção diz que o estado deve R$ 1,5 milhão.
Já na Santa Casa de Rio Grande, na região Sul, a diretoria reclama que não recebeu R$ 5 milhões do governo. Os funcionários não recebem há três meses. A instituição não interrompeu os atendimentos, mas tem dependido de doações de alimentos da comunidade.
"O suporte emocional e de alimentação a gente tá tendo, muita ajuda da comunidade, dos colegas. A questão de dinheiro é mais dificil. Como a gente vai repor os salários?", questiona a enfermeira-chefe Carmen Pozzer.
Na Santa Casa de Pelotas, também no Sul do estado, as cirurgias de traumatologia estão atrasadas. Pelo menos 900 pessoas esperam pelo procedimento. Entre elas, o pai do carpinteiro Mildomar Ribeiro, que está internado há setenta dias. "O médico vem aqui e diz: 'semana que vem, já foi comprada a prótese'. Aí chega semana que vem, eles adiam pra outra semana e assim vai indo. Dizem que vão fazer a cirurgia e acabam não fazendo", reclama Mildomar.
A direção diz que o estado não envia recursos desde agosto e a dívida já chega a quase R$ 700 mil. "Nós não temos de onde tirar dinheiro. Se eu não tenho de onde tirar dinheiro, como é que eu vou comprar próteses para traumato?", pergunta o vice-provedor da Santa Casa, João Francisco Neves.
Ambulatório fechado em Montenegro
Com o Hospital Montenegro, na Região Metropolitana de Porto Alegre, que é referência para 14 municípios, a dívida é de mais de R$ 4,2 milhões, segundo a direção. Além do atraso de dois meses nos repasses, o estado reteve cerca de um terço do dinheiro que vem do governo federal.
O ambulatório de especialidades do hospital está fechado desde a semana passada para cortar custos. No local, 150 pessoas eram atendidas em média por dia com consultas médicas e exames, que foram cancelados. Pelo menos até o fim do ano, o hospital também não vai fazer cirurgias que não sejam de urgência.
A aposentada Alda Elita Dorr está preocupada. Ela não conseguiu a consulta com o cardiologista. "Eu me sinto muito triste, né? Porque eu não tenho condições de pagar um plano. Dá um negócio na gente, um enfarte, um AVC, uma coisa, e a gente não tem atendimento", lamenta.
Quase a metade dos funcionários do Hospital de Montenegro teve os salários parcelados. A direção pediu um empréstimo para pagar o 13º e já está buscando novas fontes de recursos para conseguir manter o funcionamento da casa de saúde.
"Nós somos um hospital privado, que tem uma parceria importante com o estado e a União. Somos 100% SUS, atendemos aqui 170 mil habitantes. Nós estamos muito preocupados e estamos nos movimentando através dos prefeitos, porque algumas prefeituras fazem repasses para o hospital", explica o diretor-geral Carlos Batista da Silveira.
"Também estamos atrás das empresas. Nós estamos tentando de todas as maneiras, sabemos que vai ser muito complicado. Nós estamos tentando buscar um recurso de empréstimo junto ao Banrisul. Não vamos ficar esperando que o estado vá fazer um calendário porque a situação é muito complicada", acrescenta.
Prefeituras prejudicadas
O atraso nos repasses do estado também atinge as prefeituras. A Federação das Associações de Municípios (Famurs) diz que o montante passa de R$ 500 milhões. O dinheiro deveria ajudar a custear programas como Samu, farmácia básica, manutenção das UPAs, entre outros. Como são serviços essenciais, os prefeitos estão precisando tirar dinheiro de outras áreas.
"Uma das áreas que mais se busca recursos para jogar na saúde é infraestrutura, estradas, enfim... Alguns serviços que podem ser reiniciados no ano que vem para poder fechar as contas. A manobra orçamentária é para que não falte recurso na saúde", afirma Luiz Gustavo de Souza, superintendente-técnico da Famurs.
Por causa da crise, os hospitais pedem que a população procure os postos de saúde para atendimentos de menor gravidade.
Em nota, o Palácio Piratini disse que repassou os R$ 54 milhões de recursos da União para os serviços prestados pelo SUS nesta segunda-feira (12). Ainda afirmou que deve informar a data de pagamento, nos próximos dias, de mais duas parcelas, totalizando R$ 130 milhões de incentivos à saúde, que estão atrasados. Leia a nota na íntegra abaixo.
Nota do governo do estado do RS
Os hospitais filantrópicos e Santas Casas do Rio Grande do Sul prestam serviços essenciais à população. Por isso, desde que assumimos o governo, em 2015, fizemos um grande esforço para regularizar as dívidas herdadas com as instituições hospitalares, prefeituras e fornecedores, que chegavam a R$ 763 milhões. Conseguimos quitar parte dessa dívida. Além disso, mantivemos um esforço para honrar os valores pactuados de 2015 a 2017.
Em 2018, o nosso empenho foi também para manter em dia os repasses. Sempre cumprimos a determinação legal de investir 12% da receita corrente líquida em Saúde, mesmo que as transferências do SUS, feitas pela União, tenham caído 27% desde 2010.
Esse trabalho requer muito esforço, pois há décadas o Rio Grande do Sul gasta mais do que arrecada. De janeiro a setembro, repassamos R$ 1,8 bilhão para hospitais e prefeituras. Outros R$ 200 milhões foram objeto de sequestros judiciais para compra de medicamentos.